terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Pianista e o Colar - Capítulo I

Era apenas outra noite com plateia e música.
As luzes do teatro foram acesas antes do horário comum. Até o momento, nada me parecia sombrio. Até o momento.
Subi ao palco, e todos os olhares do público se voltaram para mim. Curvei-me em um agradecimento, virei-me e sentei frente ao piano. A ansiedade da plateia pairava sobre o ar, e este tipo de energia estava começando a me atingir, de forma que eu estava inquieta. E uma pianista inquieta é algo não muito aconselhável. A atenção deve ser integralmente voltada para o piano. E apenas para ele.
Posicionei os dedos sobre as teclas e comecei a apresentação. Estive tão aérea pelo dia! Nem planejei bem o espetáculo. Eu estava quase que improvisando. Improviso ou não, as pessoas pareceram não notar, o que me deixou esplendorosamente contente.
Quarenta e cinco minutos se passaram e eu teclei a última nota. Aguardei os aplausos, agradeci e desci do palco. Hora de ir embora.
Enquanto cruzava o teatro para chegar à saída, vi meu reflexo no vidro da janela e parei uns instantes. Fitei o colar em meu pescoço. Um sorriso tenebroso abriu-se em meus lábios. Ignorei a perversidade do momento e saí, como se nada tivesse acontecido.
Tentei estar à parte do aglomerado de pessoas, mas foi impossível. Eram muitas pessoas e eu estava esperando um táxi. Não seria tão fácil conseguir ficar sozinha naquele momento.
Foi quando eu o vi, de longe, procurando-me, e na mesma hora ele me viu. Todos os instintos do meu corpo me induziam a uma fuga rápida e feroz, onde o objetivo era salvar minha própria vida. Respondi aos alertas de meu cérebro tarde demais.
Ele já havia me localizado, e vinha em minha direção. Percorri a rua para cima, correndo com a maior velocidade que meus pés e meu salto alto permitiam. Um maldito buraco apareceu em minha frente e quebrou meu salto. Caí bruscamente no chão.
Então ele me alcançou. Ofereceu-me a mão, e me carregou até uma distância longínqua da multidão, num gesto como que de cavalheirismo. Meu coração era um misto de desejo e terror. Culpei-me por ainda ousar permitir que meu coração acelerasse por aquele crápula.
Ele me colocou sentada num banco. Abraçou minha cintura pelas minhas costas. Beijou sedutoramente meu pescoço, me surpreendendo um pouco. Até que ele arrancou bruscamente o colar, no mesmo instante em que senti uma arma em minha cabeça.
— Belíssimo reencontro, não concorda querida?
— Acabe logo com isso.
— São suas últimas palavras?
Assenti com a cabeça, levemente, temendo a arma. Logo o disparo viria e eu seria apenas um corpo no meio da escuridão. Rezei para que minha alma — se eu ainda tivesse uma — fosse para um lugar melhor e tivesse uma outra vida mais digna. Fechei os olhos.

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