domingo, 26 de dezembro de 2010

A Pianista e o Colar - Capítulo XI

Todos sabem que contos de fadas não acontecem de verdade. Pois é, eu não sabia.
Continuamos levando a vida como sempre, e agora eu o considerava uma espécie de namorado.
Certo dia ele me perguntou que pulseira era aquela que eu nunca retirava do meu pulso esquerdo.
- Presente de papai. Não tenho coragem de tirar. Uso sempre.
Ele continuou a observar a pulseira. Era uma corrente prata com um pingente contendo a letra "A" em brilhantes.
- Gostaria de encomendar uma parecida pra você. Me emprestaria essa para eu pegar o molde?
Achei o pedido estranho mas não teria coragem de negá-lo, então lhe entreguei a pulseira.
Ele me devolveu no outro dia a tarde. A noite, enquanto jantávamos, disse que tinha uma notícia.
- Tenho pistas do paradeiro do diamante.
Pistas? Já? Eu ainda nem tinha descoberto nada sobre ele.
- Qual pista?
- Tenho indícios de que esteja próximo a Madri. Partimos para a Espanha amanhã.
Então deixaríamos Paris? Já? Triste isso. Mas a Espanha também é muito legal. Já estava ansiosa para conhecer lá. Quando se tem 15 anos qualquer viagem é legal.
Quando chegamos no hotel subi correndo e fui fazer minhas malas. Quando levantei meu travesseiro, vi as cartas que tinha pegado no quarto dele. Sentei-me na cama com elas nas mãos. Dessa vez, não poderia me conter: abri e comecei a ler.
Eu precisava saber quem realmente era Piérre. E parece que finalmente comecei a descobrir.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A Pianista e o Colar - Capítulo X

Ele agia sempre tão impecavelmente bem que todas as minhas suspeitas de que havia algo errado nessa história se esvaíam com o tempo.
Eu o admirava cada vez mais. Pela elegância, pelas conversas sempre tão agradáveis, por sua beleza...
Com o tempo, sem querer, fui me afeiçoando a ele. E fazia mil e uma coisas para impressioná-lo. Comecei a me produzir sempre. Estava sempre bem penteada, bem vestida e perfumada. Passei a estudar diariamente francês e buscava aperfeiçoar minha fala. Queria me igualar a ele para que não ficasse para trás. Além disso passei a treinar uma música no piano clandestinamente, todos os dias enquanto ele saía.
Passaram-se três meses, e então certa noite eu me vesti com um vestido branco longo que ainda não tinha usado. Fiz um penteado bonito e coloquei luvas de cetim. Eu estaria parecendo uma noiva no Brasil, mas na França eu era apenas uma dama muito chique. O batom vermelho quebrava todo o tom claro de minha roupa, mas casava-se perfeitamente bem com todo o modelito.
Bati a porta de seu quarto. Ele atendeu. Disse que tinha uma surpresa e pedi que ele fechasse os olhos.
Sentei-me diante do piano e comecei a tocar a música. A música que a meses vinha ensaiando. A música cuja cifra encontrei em seus pertences. E toquei-a com toda minha alma. Todo meu corpo e coração. Com a maior intensidade que cabia em meus dedos. Toquei, até com os olhos fechados, sem saber aonde eu queria chegar com tudo isso.
Tamanha foi minha surpresa e alegria ao sentir repentinamente seus lábios macios encontrarem os meus...
Minhas mãos se levantaram do piano e abraçaram seu pescoço. Eu me levantei, e ele abraçou minha cintura, enquanto ainda nos beijávamos.
Naquele instante não havia pensamento algum se passando por minha mente. Não haviam preocupações. Não haviam problemas. Não havia nada, nada além daquilo que estava acontecendo.
Um calor forte se concentrava ao redor de meu coração. Chama forte a arder em meio peito. Aquele momento era de tal intensidade para mim que não sei descrever. Eu tinha 15 anos. E aquele beijo em Pierre talvez fosse o momento que me proporcionasse a melhor sensação que eu poderia ter sentido nos últimos meses.
Quando o beijo terminou ficamos abraçados. Não sei por quanto tempo. Nossos olhares estavam fixo um no outro, e nenhum dos dois se atreveria a desviar.
Sorri. Expontaneamente. Com vontade. Um belo sorriso sincero. Que ele retribuiu.
- Vou pegar minha bolsa.
E saí pesarosamente de seu abraço. Ao cruzar a porta, saí saltitante a correr até meu quarto, sem sentir desconforto algum em correr de salto, como se o chão fosse repleto de plumas sob meus pés.
Estava sim absolutamente feliz.

A Pianista e o Colar - Capítulo IX

Ele abriu a porta e entrou.
Torci fervorosamente para que ele não sentisse o aroma de traição que pairava sobre o ar. Era assim que eu me sentia. Como se eu estivesse lhe traindo a confiança. Nem sequer me lembrava de que eu deveria agir sem remórcio, como uma refém vingativa naquele momento.
Deu uma volta pelo quarto e pegou a chave do carro. Em seguida saiu.
Aguardei pelo menos uns dez minutos antes de sair do meu seguro esconderijo. Não poderia me arriscar desta forma.
Quando saí, voltei ao piano. Meus dedos receosos tocaram cuidadosamente as teclas. E se fez música.
A melodia que tocava me fazia viajar. Me levava para longe... Tão distante... Distante de quaisquer problemas que tivessem habitado minha mente nos últimos dias. Eu me senti completamente leve. Queria que aquele momento durasse para sempre.
Toquei por uns minutos, mas então subitamente lembrei-me da real razão para eu estar ali, naquele quarto, naquele momento, e que eu não deveria demorar pois estava ali clandestinamente.
Revirei as coisas dele, as gavetas do armário, sempre em busca de uma pista, algo que me desse uma explicação para tudo isso.
Encontrei umas cartas, um mapa e uma caixinha. Coloquei tudo dentro da bolsa. Deveriam servir para alguma coisa.
Consegui chegar sã e salva em meu quarto. Me senti aliviada por isso.
Após me certificar de que a porta estava trancada e de que eu me encontrava em absoluta privacidade, comecei a investigar as coisas.
As cartas eram variadas. Algumas pareciam ser mais formais. Outras eram até perfumadas e enfeitadas com pequenos laços de fita. Mas não eram de um só remetente, claro.
De qualquer forma, inicialmente não tive coragem de ler nenhuma delas.
Quanto ao mapa, dei uma espiada. Era um mapa-mundi antigo, meio precário, com algumas rotas confusas traçadas entre os continentes. Um trajeto que para mim parecia estranho e sem nexo. Para mim.
Abri a caixinha, e descobri que era uma linda e rara caixinha de música. Ao invés da tradicional bailarina, havia na caixinha uma pianista, tocando um piano de diamante. Aquilo me fascinou e me intrigou, pois ao mesmo tempo em que eu me maravilhava com a rara caixinha de música rara, talvez a única daquele jeito no mundo, me intrigava a aparente obsessão dele por diamantes e pelo piano. Mas, por enquanto, eu preferia acreditar que tudo isso era inofensivo.
Fui me arrumar para descer pro jantar.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A Pianista e O Colar - Capítulo VIII

Amanheci em outro hotel.
Esse deveria ter um céu completo de estrelas. Meu quarto tinha decoração dourada, parecia um castelo ou algo assim.
Pela primeira vez desde minha chegada à França, pensei em meus tios que me receberiam na Arábia. Imaginei o motivo do atraso deles até o aeroporto. Imaginei o que eles devem ter pensado ao não me encontrar. E o que minhas tias do Brasil devem ter feito ao descobrir que eu não cheguei até a casa da irmã delas na Arábia. Isso é, se elas souberem é claro.
Mas havia um motivo maior para me fazer sentir mal: é que eu estava bem.
Eu quase nunca tive contato com minha tia que mora na Arábia, e não sei se estaria pronta para uma troca de cultura tão radical. De certa forma, me sinto sozinha no mundo, e ter encontrado Pierre não era assim tão ruim, pois ele me dava tudo que eu queria e não fazia nada ruim comigo. E agora eu estava em Paris, o que mais poderia querer da vida?
Apesar dos pesares, eu estava bem. Não completamente - sentia saudades dos meus pais - pois sempre me sentia muito solitária. E de certa forma era mesmo. Era eu por mim e eu por mim, neste vasto mundo, onde nem as fronteiras entre os países me surpreendiam mais.
Mas... Essa história dos diamantes havia me assustado um pouco. Na verdade havia me assustado muito. Havia algo nessa história que eu não havia descoberto. Algo que eu temia, é claro, justamente por não fazer a mínima ideia do que seja. Mas definitivamente era algo que eu precisava descobrir.
Decidi que entraria no quarto dele, escondida, para tentar encontrar alguma pista. Em um de nossos habituais cafés-da-manhã, consegui terminar o meu antes do dele, e disse que ia subir para dormir mais um pouco.
A moça da recepção estava no telefone, num papo muito animado, e de costas para a porta. Aposto que ela nem percebeu quando eu peguei la clè reserva no compartimento inferior do balcão.
Consegui entrar no quarto dele. Mal podia conter minha alegria pelo sucesso da operação secreta, e eu me julgava muito esperta. Pobre adolescente ingênua eu era.
Entrei e me surpreendi pela organização do quarto - por mais que eu e a camareira tentássemos, haviam sempre pelo menos umas sete coisas fora do lugar - dele. Havia uma prateleira de livros, muitos deles clássicos, e haviam muitos também que envolviam a palavra diamante. Mas o que mais me maravilhou foi o lindo piano branco que estava de frente a la fenètre. Era uma vista privilegiada a daquela janela. Dava para ver charmosas lojas na calçada mais fina do mundo, afinal estávamos em Paris.
Retirei a seda vermelha que cobria as teclas. Quando meus dedos cogitaram a hipótese de tocá-las, ouvi passos no corredor. Corri e me escondi. A adrenalina estava de volta em minhas veias, e não parecia que iria embora tão cedo.