segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A Pianista e O Colar - Capítulo VII

Parecia que estávamos em um navio.
Se sentisse por um segundo um tremor sob meus pés, acreditaria que era apenas o balanço das ondas.
A decoração era toda típica de um navio, e é claro que tudo era muito chique. O típico charme francês estava em todos os cantos. As paredes de madeira clara faziam um harmônico contraste com o assoalho escuro. As cadeiras eram de madeira escura estofadas de vermelho. As cores básicas mescladas eram o marrom, o dourado e o vermelho. Lindo.
Seguimos reto, até uma sacada onde havia uma mesa virada para a vista da rua. Ele puxou a cadeira para mim. Pediu alguma coisa e então começamos finalmente a ter uma conversa muito necessária.
- Você deve estar se perguntando o por que de tudo isso... - começou ele.
- É o que me pergunto a todo instante.
Ele desviou os olhos dos meus por um momento. Havíamos chegado num ponto onde ele não poderia mais fazer rodeios: ele teria de dizer a verdade. Esclarecer tudo.
Pareceu perplexo antes de falar.
- É uma história bastante complicada. Você não entenderia.
Não entenderia o motivo do meu sequestro? Esse cara é louco.
- Não se trata de compreensão. Se trata de você me falar o por que de eu ter sido arrastada da Arábia até a França por um desconhecido, estar sendo tratada feito uma rainha, e apesar de ter sido aparentemente sequestrada, o criminoso é um jovem milionário que não aparenta ter a mínima intenção de pedir um resgate por mim.
Os olhos dele agora encontraram os meus. Ele me lançou um olhar penetrante, petrificante, e eu não consegui me mover um milímetro sequer. Cada célula externa do meu corpo estava absolutamente sem qualquer movimento. O silêncio era, outra vez, quebrado somente por meu coração.
Eu não conseguia imaginar o que ele estava pensando. Cada expressão de sua face era completamente indecifrável.
- Você se lembra de algo que eu já te falei em conversas anteriores?
Pensei um pouco. Recordei nossa conversa no carro, após meu sequestro. Nosso diálogo daquele dia era agora apenas um ilegível borrão em minha memória.
- Lembro de você dizer algo sobre "procurar um colar"... - disse sem muita convicção. Eu não me lembrava ao certo se isso acontecera ou se era projeção falsa da minha memória.
- Sim. O colar é parte do motivo de você estar aqui.
Ele pensou se deveria continuar. Em seguida, resolver arriscar e continuou.
- Já ouviu falar no Mogul?
- Hum... Acho que não.
- É um dos diamantes mais famosos do mundo. Foi o maior de toda a Índia, até desaparecer. Encontrado em 1650 na Índia, pertenceu ao imperador, tendo ficado nas mãos da família real do império até meados do século XVIII, quando começou a ser procurado por um famoso caça-diamantes. Quando ele chegou a Índia, o diamante havia sido levado por Emir Jemla, que tinha agora sua posse. Com medo de perder sua preciosidade, fugiu para Nova Déli, em seguida desapareceu do mapa com o diamante, e não há relatos concretos sobre o paradeiro da jóia até hoje, apenas rumores.
Escutei tudo em silêncio. Era uma história bastante interessante, mas procurar um diamante cujo paradeiro é mistério há três séculos parecia ser algo meio irracional.
- E onde é que eu entro nessa história?
O habitual sorriso antes da resposta.
- Infelizmente, não posso te dizer agora. Vai acabar com a graça do mistério.
Disse isso, e em seguida chegou nosso jantar. Uma batida sem álcool para mim e champangne para ele.
- Um brinde - propôs.
- A que? - indaguei não muito simpática.
- A Paris.
Brindamos e nenhum de nós dois disse mais nada.
Eu me sentia presa em um labirinto: havia a certeza de uma saída, mas não fazia a mínima ideia de onde ela estava. Havia um mistério e muitas dúvidas, e ele apenas complicava tudo com as poucas respostas. Havia uma única pessoa para me auxiliar na resolução do problema: Pierre. Mas, que fazer se ele mesmo era o meu maior enigma?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Pianista e O Colar - Capítulo VI

Ao cair da noite, comecei a sentir realmente o frio europeu.
Havia um detalhe no quarto que eu não disse: um espelho comprido na parte interna da porta do guarda-roupa.
Após vestir o vestido, o sobretudo, calçar o scarpin, arrumar meu cabelo (encontrei um babilize na mala! Fiz chapa e cachinhos nas pontas) e fazer a maquiagem, olhei-me no espelho comprido. Não era eu. Não poderia ser. Parecia uma mulher de uns dezenove ou vinte anos.
Minha sombra rosa clara cintilava por cima de meus olhos castanhos. O rímel, delineador e lápis pretos completavam a maquiagem dos olhos impecavelmente bem. Outro tom de rosa, tonalizado para o marrom foi o que eu usei na boca.
Ah, também encontrei uma bolsa carteira (na verdade são umas cinco, uma de cada cor) preta na mala. Coloquei nela meu querido antigo celular e meus dez dólares.
Saí. Tranquei a porta e desci as escadas. Foi quando o vi, de costas, usando um impecável smoking preto. Ele escutou meus passos e se virou para me olhar, com o habitual sorriso nos lábios.
- Vamos nos divertir muito essa noite. - ele disse, puxando a minha mão e lhe dando um beijo.
Eu deveria estar assustada, morrendo de medo, estava toda produzida para sair a noite em Paris com um cara que há três dias antes eu nunca havia imaginado que existisse nesse mundo, e ele me sequestrou no aeroporto e agora ficava me dando tudo o que uma garota de quinze anos cobiça ter no guarda-roupa e ainda sorri o tempo todo como se estivéssemos vivendo a situação mais natural do planeta. Eu deveria estar muito assustada, mas meu coração estava relativamente calmo. As batidas não eram regulares e comuns quanto o andar dos ponteiros do relógio, mas não eram velozes feito pedras que correm avassaladoras por uma montanha íngreme. Meu coração apenas estava curioso, ansioso para descobrir "aonde vamos e o que faremos essa noite", apenas isso.
Um Peugeot modelo 407 Prologue buzinou na porta do hotel. Ele me deu o braço, como um bom cavalheiro.
Entramos no carro. Era lindo. Expontaneamente, fiz uma pergunta indiscreta.
- Você é rico?
Ele deu uma risada graciosa antes de responder.
- Em que sentido?
Argh. Eu não queria dar papo pra ele. Queria demonstrar fúria e indignação, por ele ter me sequestrado, me trazido para a França e agora achar que tem minha tutela. Mas ele era agradável e eu não conseguia demonstrar raiva com tanta frequência.
- Financeiro.
Outra risada.
- Talvez possamos afirmar que eu tenha uma quantia razoável.
Razoável? Sei. Ele deveria ter ganhado na loteria. Não tinha nada a perder, então tinha que descobrir de onde ele tirava tanto dinheiro.
- Você ganhou na loteria, assaltou um banco, desviou verba de uma multinacional, encontrou um cartão de crédito sem limite na rua, herdou tudo de um bisavô milionário ou o quê?
- Você é bem curiosa para ter quinze anos. A fase do pergunta-pergunta geralmente só dura dos três ao cinco.
- E você adora desviar das respostas das perguntas que eu faço.
Um sorriso.
- Vou te contar a história completa. Mas a última opção é a mais provável. Você tem uma imaginação boa e é bem espertinha.
Fiz uma expressão que quase foi um sorriso, e em seguida virei-me para a janela. Estávamos sentados no banco de trás, e havia um motorista que estava dirigindo. A noite em Paris era mais linda que o dia.
Passaram-se uns trinta e cinco minutos, até que chegamos a um restaurante MUITO, muito chique. A placa dizia "Gérard Joulie". Não acredito nisso. Um restaurante cinco estrelas. Em Paris. Me belisquei para conferir: não era um sonho.
- Tem vários ambientes e é lindo. Você gosta de frutos do mar?
- S-s-s-sim... - estava embasbacada demais para dizer algo.
- Ótimo. Fiz reservas para nós dois em todos os ambientes, um em cada dia da semana. Hoje vamos em um que se chama "Le Bar de la Mer".
"O Bar do Oceano", traduzimos juntos. Aquele um ano de cursinho de francês realmente está sendo de boa utilidade. É claro que eu conheço o mínimo do básico do vocabulário francês, mas assim ele percebia que eu era esperta e que eu entendia quando ele falava em francês com as pessoas, e não ficava sem saber o que estava acontecendo.
Haviam dois seguranças na porta. Um deles segurava uma lista, com os nomes das pessoas das reservas.
- Pierre Vicent et Alícia.
O segurança conferiu os nomes, deu-nos uma comanda e nós entramos no lugar que deveria ser o mais elegante que eu iria em toda a minha vida. Ao caminhar, meu salto fazia "poc poc" pelo chão. A imagem do meu lindo scarpin de bico redondo rosa veio a minha mente, sem que eu olhasse para meus pés. Ele me deu o braço novamente. Desta vez, sorri.

A Pianista e O Colar - Capítulo V

Paris definitivamente era linda.
Após a minha frustrante primeira tentativa de fuga, pegamos um táxi e descemos na rua Le Colisée, que fica a uns quinze minutos da Charleton-le-Pont. Meu medo cedeu um pouco, e tudo que meus olhos agora faziam, era percorrer cada milímetro daquela arquitetura urbana impecável, e gravar ao máximo cada belo minucioso detalhe em minha mente.
Entramos num hotel bem bonito, não era refinadíssimo mas era mais chique que os três estrelas habituais no Brasil. A fachada era pintada de branco, sendo alguns detalhes suavemente contornados por um bege-dourado.
- Deux chambres. - Disse ele a recepcionista, entregando o que deveria ser uma espécie de cupom de reserva.
Quando ela lhe entregou as chaves dos quartos, e ele me entregou uma, meu queixo quase de deslocou e caiu ao chão, tamanha foi minha surpresa e meu susto.
- V-v-você vai me entregar a chave? - Falei, gaguejando.
- Sim, e você não vai tentar escapar outra vez. - Ele afirmou convicto.
Subimos, ele foi olhar o quarto dele que ficava no final do corredor esquerdo no segundo andar, sentido contrário ao meu, que ficava no fim do corredor direito.
Abri a porta e entrei no que por agora era meu quarto.
Uma cama, uma televisão com video game, uma escrivaninha com um bloquinho de anotações, uma caneta e um telefone, um tapete, uma poltrona, algumas almofadas e um banheiro. Era legal.
Dei uma volta pelo quarto, e me lembrei de que eu não tinha nada. Simplesmente não sei onde foi parar minha mala. Só estava com meu celular e dez dólares no bolso. E eu precisava de um banho.
Foi então que eu me lembrei que há três dias eu estava transitando de um lado para o outro de carro, avião e táxi, parando em alguns lugares para comer e descansar, mas não havia passado nenhuma das noites em hotéis e eu não havia consequentemente tomado banho. Eca. Eu deveria estar fedendo. Culpa dele.
Abri o guarda-roupa e para minha felicidade havia um lindo estoque de toalhas brancas, sabonetinhos de hotel, escovinhas de dente, creme dental, e até um pacotinho de absorventes. Fiquei encantada.
Peguei um sabonete, uma toalha, uma escovinha e o creme dental e fui tomar banho.
Era o melhor banho da minha vida, eu acho. A sensação da água morna em minha pele. Fazia um pouco de frio, mas isso não me importava. O perfume do sabonete e a água escorrendo pelo meu corpo era tudo o que eu queria sentir, e eram tudo o que eu queria pensar naquele momento. O melhor momento de meus últimos dias.
Encontrei um vidro de xampu e outro de condicionador no banheiro e fiquei feliz já que eu realmente precisava lavar meu cabelo.
Demorei uns vinte e cinco minutos no banho. Resolvi demorar já que haviam três dias que eu não tomava um. Eca de novo.
Quando saí do banheiro, vi que a porta estava entreaberta e fui até lá trancá-la. Quando me virei para o quarto novamente, havia uma mala rosa enorme ao lado do guarda-roupa, com uma etiqueta grafada "Alícia". E havia um vestido preto em cima da cama, com um par de scarpin rosa de bico redondo ao lado. Um sobretudo preto aveludado, do mesmo comprimento do vestido. Meia fina preta fio 40. E um bilhete em cima do vestido:
"Isto é para hoje a noite. Esteja linda, mais linda que o habitual. E aproveite sua mala."
Ele havia entrado e deixado as coisas aqui. Abri a mala. Muitas roupas chiques, muitos vestidos, calças, casacos, sapatos, maquiagem, secador, chapinha, acessórios, enfim, tudo o que se possa imaginar. Fiquei felicíssima é claro.
Depois fui analisar a roupa que iria vestir.
Mas, depois de curtir minhas novas coisinhas, fui pensar: "Onde ele quer chegar com tudo isso? E por que ele me escolheu?".
Não conseguia entender nada. E parece que não havia nada para entender. Nada além de tudo.

domingo, 7 de novembro de 2010

A Pianista e o Colar - Capítulo IV

Três dias após a noite do sequestro, surgiu a oportunidade perfeita. Havíamos acabado de desembarcar de avião na França (Descobri que ele estava dirigindo até o aeroporto aquele dia. Só não me pergunte onde ele arranjou aquele carro porque eu não faço a mínima ideia.) Ele me deixou segurando uma mala preta enquanto disse que ia ao banheiro. A mala estava trancada com cadeado. Eu queria abri-la, mas não havia como. Mas eu tinha a minha primeira perfeita oportunidade de fuga, e não a perderia sem tentar.
Olhei para os lados. Nem sinal dele. Meus lábios se converteram num sorriso travesso, como que uma criança que ansia ficar sozinha para pegar outro pirulito no pote da cozinha.
Então, num impulso insano, saí correndo em disparada, desejando ter a liberdade outra vez em minhas mãos. Mas, o que eu estava pensando? Não tinha nem quinze anos, e estava sem nada, a não ser pela mala trancada em minhas mãos que eu furtara dele. Sorri outra vez ao pensar que o deixei sem a mala.
Segui por um corredor comprido, que tinha uma grande placa escrito "arrived",
"chegada". Virei a esquerda e segui por outro, dobrei a esquerda novamente e então a direita, e finalmente vi uma fila de carros pratas com plaquetinhas em cima que deveriam ser os táxis. Parei diante de um. finalmente, pensei no que estava fazendo.
Se eu entrasse em um táxi agora, e sumisse das vistas de meu misterioso sequestrador, o que seria da minha vida? Eu não queria avaliar as minhas possibilidades, já que não eram as melhores que já tive, garanto. Mas era necessário. Meus olhos se encheram de lágrimas, que não desapareciam e nem escorriam por meu rosto. Meu destino era algo absolutamente incerto. O destino sempre é algo incerto, mas na situação em que eu me encontrava, isso parecia assustador.
Minhas pernas se dobraram, involuntariamente, e eu me sentei no chão frio do aeroporto. Desejei estar em casa. Desejei estar no Brasil de novo. Desejei ter meus pais vivos e uma lar. E meus intensos desejos faziam a dor daquele momento aumentar.
Senti uma mão em meu ombro. Era ele. Havia me encontrado. Não estava mais sozinha.
- Não precisa tentar fugir. Mesmo porque você não conseguiria.
Senti uma frustração por saber que, no fundo, as palavras dele eram verdadeiras. Mas, apesar de tudo, um certo alívio acompanhou a frustração. Eu estava "salva". Pelo menos naquele momento.