quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Pianista e o Colar - Capítulo III

Já era noite quando eu acordei.
O carro se mexia rápido. Haviam poucas estrelas no céu. Percebi que estava deitada no banco de trás. Ele dirigia. Não percebeu que eu havia aberto os olhos. Eu estava acordada. Isso era perigoso.
É incrível como nossa vida pode mudar tanto em tão pouco tempo. Há vinte e quatro horas atrás eu estava feliz e contente no Brasil, despedindo dos meus amigos, me acostumando com a ideia de ser deportada para a Arábia. E em um dia, um único dia, eu pego um avião sozinha, sou abandonada num aeroporto árabe e fico por lá até ser sequestrada por um estranho jovem e bonito que fala francês e português. Jóia.
O clima agora estava bem mais fresco, levemente frio. Minha pele agradecia a brisa suave e gélida que entrava pela janela. Parecia estar traumatizada com o calor insuportável durante o dia.
Me mexi um pouco, cuidando para que ele não percebesse que eu estava acordada. Peguei meu celular no bolso. Enviei um torpedo para a Tati, rezando para que embora eu estivesse fora do país a mensagem chegasse. Escrevi apenas um S.O.S. e enviei. Tornei a esconder o telefone no bolso. Então ele percebeu minha movimentação sutil e começou a conversar.
- Boa noite.
Por favor, isso não está acontecendo comigo. Me acorde, me jogue um balde de água fria, me diga que está tudo bem e que foi só um sonho ruim, que eu não estou sendo levada por um cara que eu não conheço e que eu não estou perdida em outro país que não o Brasil. Era tudo o que eu conseguia pensar.
- Onde está me levando? - eu não estava muito contente.
- Calma, calma, calma linda moça. Acho que você merece uma explicação plausível para o que está acontecendo.
Sim, mereço. E Tudo o que eu quero é te estrangular, panaca, mas é óbvio que eu não diria algo assim. Permaneci calada. Ele tornou a falar.
- Meu nome é Pièrre. Pièrre Vicent. Nasci na França, me mudei para o Brasil aos oito anos, perdi bastante meu sutaque ao decorrer dos anos. Adoro mistérios, e tudo o que você precisa saber agora é que você vai me ajudar.
Ah, legal cara, entendi tudo. Agora eu sei tudo sobre a sua vida, e o fato de que eu vá te ajudar a fazer sei-lá-o-quê me tranquilizou muito. Vai na fé.
Meus pensamentos sarcásticos estavam azedando mais meu humor. Ele ainda estava afim de falar.
- Talvez Pièrre seja meio diferente para você, então pode me chamar de Pedro, era assim que eu era conhecido no Brasil.
- Com o que eu vou te ajudar?
Ele pareceu refletir.
- Com o mistério.
- Que mistério?
- Esse é o mistério. - ele sorriu.
Minha boca se curvou numa expressão raivosa, e ele ficou sem graça.
- Brincadeirinha. Tem toda uma história. Estou procurando um colar.
Eu parei. Me sentei. Olhei nos olhos dele pelo retrovisor. Fiz uma expressão embasbacada. Então eu fui sequestrada para ajudar o cara a encontrar um colar? Isso está parecendo pegadinha. Ou filme. Ou os dois. Tanto faz.
- Deve ser muito bonitinho para valer tanto esforço... - disse sarcástica.
Então a atitude dele me surpreendeu. Ele fechou a cara, como se eu tivesse lhe deixado zangado ou muito aborrecido. A forma como ele me respondeu foi, de certa forma, sombria.
- Mais que sua cabecinha de adolescente pode imaginar.
Foi aí que eu percebi que não era só um colar. Tinha uma história. Tinha um mistério. Talvez ele me contasse. Eu estava curiosa. Mas ele parecia enfezado, e eu não queria desmanchar a minha máscara perfeita de "eu sou antipática, não quero estar aqui e te odeio" fazendo perguntas e parecendo interessada. Não mesmo.
Me deitei novamente, fechei os olhos e adormeci.

sábado, 16 de outubro de 2010

A Pianista e o Colar - Capítulo II

Aquele clima era insuportável.
O calor que atingia meu rosto parecia queimar, e o suor escorria pelas minhas costas. Não era atoa que eu não queria vir para este lugar.
Vou me apresentar. Alícia. Alícia Grings. Ou Alícia G. Pode escolher, não me importo. Meus pais faleceram num acidente há dois verões passados. Até então eu estive morando com uma tia. Até que ela teve a brilhante ideia de me deportar para Arábia Saudita, onde a irmã dela mora.
A vida é assim: se você é menor de idade e fica órfã, passa a ser um estorvo para as tias e nunca tem um endereço fixo. Fato.
Quando eu tinha uns cinco anos e ficava lendo "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa" a Arábia me parecia um lugar muito mais interessante. Mas agora, ao vivo, a experiência é meio diferente.
Eu acabara de chegar do Brasil, e as pessoas me olhavam curiosas. Devem achar que eu sou uma espécie de pervertida por causa das minhas roupas. Ou então uma louca. Ou deduzem que sou estrangeira pela minha bagagem. Eu sei lá o que se passa da mente deles. Só sei que não param de me olhar e isso está me irritando.
Tia Jasmine ainda não veio me buscar. A espera está me deixando mais nervosa. Hoje eu estou vulnerável a irritabilidade.
"Sente-se e acalme-se Alícia" eu conversava comigo mesma. Já deveria ter aparecido alguém.
Um cara se aproxima e se senta ao meu lado. Ele é muito jovem para ser esposo de tia Jasmine e também não acredito que seja meu primo de 15 anos. Definitivamente ele não é meu parente e eu não o conheço.
"Não converse com estranhos", eu murmurava. Eu tinha apenas 14 anos. Eu estava ali, no aeroporto de Dubai, sozinha. E agora um estranho se sentou ao meu lado. Meu maior receio era de que ele puxasse conversa. E ele puxou.
- Comment passè vouz, belle femme?
Ah, muito bom. Eu estou perdida num aeroporto árabe e um cara vem falar francês comigo. Jóia.
Tentei recordar algo do que aprendi em dez meses de cursinho.
- Tré Bien garçon. Et vouz?
- Tré Bien.
- Est-vous françoise?
Ele ri.
- Non. Je suis brésilienne.
Não contenho um sorriso.
- Je ne parle pas français tré bien, nous pouvons parler le portugais?
Ele ri outraz vez. Não posso negar, o sorriso dele é lindo. Ele deve ter uns dezoito anos.
- Então somos brasileiros falando francês na Arábia?
- Parece que sim. - ele é simpático mas eu não devia estar conversando com ele. Eu não o conheço.
Um silêncio paira entre nós uns momentos. Até que ele começa a falar outra vez.
- Que fazes aqui bela moça?
Argh. Por que ele precisa me chamar de bela moça? Em francês e agora em português? Não queria corar perto de um estranho. Não mesmo.
- Estou aguardando minha família.
Ele faz cara de pensativo.
- Seus pais? - ele questiona.
- É. - eu minto.
Deveria mentir melhor.
- Estão um pouco atrasados, não é verdade?
Uma grande necessidade de prosseguir minha mentira habita em mim, e aprimoro minha técnica. A memória de meus pais surge em minha mente. Eu sei que poderia até chorar nesse momento. Mas eu preferi me conter. Eu era minimamente espertinha. Não podia deixar que ele soubesse que eu estava só e abandonada num aeroporto árabe!
- Talvez. Mas meu pai me telefonou. Disse que vai demorar um pouco. Congestionamento no trânsito. Sabe como é né...
Ele começou a duvidar.
- Ah... sei sim. Toma um café comigo?
A lanchonete era do outro lado do aeroporto, mas eu conseguia ver um pedaço da placa de onde estava sentada. Meu estômago idiota me entregou com um ronco.
Só um café... Isso não mata ninguém, não é? Ou mata. Mas eu ainda era ingênua.
Comemos um pouco e conversamos. Ele parecia ser um cara legal. E a companhia dele era agradável.
Depois caminhei com ele até a entrada do aeroporto. Tinha um carro lá parado. Ele colocou a bagagem dele lá dentro. "Legal, agora eu realmente estou sozinha e abandonada", pensei.
- Então tchau... - disse olhando nos olhos dele. Lindos olhos.
Ele se aproximou de mim, se aproximou muito e disse em meu ouvido:
- Você vai comigo.
Foi quando senti uma enorme pancada em minha cabeça, e não vi mais nada por algumas horas. E tudo estava apenas começando...

domingo, 10 de outubro de 2010

Saudade...

Saudade...
Jamais consiguirei defini-la
com exata precisão
Não há como explicar
esse tal sentimento
que aperta meu coração.

Saudade...
Que causa dor em meu peito
Que ocupa meu pensameto dum jeito
Difícil de se falar

Só nele fico a pensar
Só dele fico a falar
Só a voz dele desejo escutar

Saudade...
Só sua presença vai me acalmar...